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Filipa Ventura, Manager EY, Financial Services, fala dos requisitos que deverão ser exigidos ao setor segurador no âmbito do financiamento sustentável e das soluções estratégicas a adotar.

O financiamento sustentável e as repercussões ambientais e sociais da atividade económica ocupam já há algum tempo uma posição central no projeto da União Europeia, e estão entre as principais prioridades da agenda regulamentar para a próxima década.

Entre as várias iniciativas de enquadramento do financiamento sustentável e efeito das alterações climáticas, destaca-se a apresentação por parte da Comissão Europeia (CE) do seu Plano de Ação para financiar um crescimento sustentável, em março de 2018, o qual reforça a relevância do setor financeiro na transição para uma economia global sustentável, bem como o Technical Expert Group on Sustainable Finance, estabelecido pela Comissão em julho do mesmo ano.

Mais recentemente, releva ainda a entrada em vigor da Taxonomy Regulation, no verão de 2020, que estabelece, entre outros, a framework e objetivos da taxonomia para atividades sustentáveis e os critérios relevantes para determinar quando uma atividade económica se qualifica como sustentável numa ótica ambiental, desempenhando assim um papel fundamental na estandardização de termos e conceitos.

No contexto do plano de ação da CE, a Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA) foi convidada a pronunciar-se relativamente à integração da sustentabilidade no regime prudencial do setor segurador a nível europeu. No seu parecer, publicado a setembro de 2019, a EIOPA incentiva as empresas de seguros a avaliarem a sua exposição a riscos relacionados com alterações climáticas, alertando para o substancial impacto que estes riscos podem ter no setor segurador nos próximos anos e décadas.

A EIOPA tem também vindo a destacar o importante papel do setor segurador e de fundos de pensões, enquanto gestores de grande parte dos riscos da sociedade e investidores de longo prazo, na mitigação do risco climático e na transição para uma economia mais sustentável e resiliente.

A nível regulamentar, a opinião da EIOPA referida e as mais recentes consultas públicas e discussion papers publicados por esta autoridade constituem importantes referências para os requisitos que podem vir a ser exigidos ao setor segurador, embora o respetivo calendário não seja ainda totalmente conhecido. Estas publicações abrangem, entre outros, aspetos relacionados com:

  • Exercícios de stress testing e análises de cenários em resultado de alterações climáticas, em particular no contexto do exercício do ORSA. Espera-se que no próximo ano seja desenvolvida em maior detalhe a abordagem metodológica a considerar nestes exercícios;
  • Desafios associados às práticas de subscrição e pricing não vida atuais, de forma a assegurar a disponibilidade e acessibilidade de produtos, num contexto de alterações climáticas;
  • Análise do nível de exposição das carteiras de investimentos das empresas de seguros a riscos de transição relacionados com alterações climáticas, tendo em conta, nomeadamente, a menor valorização de atividades económicas com impacto Environmental, Social and Governance (ESG) negativo;
  • Possíveis requisitos de divulgação pública de informação, nomeadamente ao nível de investimentos e riscos relacionados com a sustentabilidade.

No plano nacional, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) dedicou o primeiro número dos “Estudos ASF”, uma publicação regular de trabalhos sobre matérias de relevo para o setor, ao tema “O Setor Segurador e dos Fundos de Pensões e os Desafios de Sustentabilidade”.

A publicação deste estudo, em janeiro de 2020, juntamente com a participação da ASF no Grupo de Reflexão para o Financiamento Sustentável em Portugal, e a sua constituição enquanto signatária da Carta de Compromisso para o Financiamento Sustentável em Portugal, entre outros, sinalizam o interesse continuado desta autoridade na promoção e desenvolvimento do financiamento sustentável em Portugal.

Segundo a ASF, do ponto de vista prudencial, “importa a prossecução de análises quantitativas, com mapeamento de exposições para os seus efeitos ESG e aferição de possíveis efeitos a experienciar nas posições financeiras e de solvência”, sendo que, no seu entender, numa primeira fase, estas análises serão mais passíveis de investigação ao nível das carteiras de investimento.

Neste enquadramento, torna-se imprescindível que o setor segurador nacional reavalie a sua estratégia, modelo de governo, gestão de riscos e métricas de desempenho, de forma a integrar preocupações de índole ESG.

Componentes de uma solução estratégia a adotar no contexto de financiamento sustentável

Na perspetiva da EY, várias componentes podem ser consideradas numa solução estratégica a adotar no contexto do financiamento sustentável e ESG.

Por um lado, importa avaliar o impacto ao nível da Gestão de Risco e Regulamentação, monitorizando os desenvolvimentos nos requisitos regulamentares relacionados com a sustentabilidade, e identificando e gerindo os riscos decorrentes de alterações climáticas, degradação ambiental e problemas sociais.

Neste contexto, conforme referido, as recentes publicações e orientações da EIOPA nesta matéria constituem importantes referências para o tipo de análises relevantes para o setor.

Adicionalmente, é cada vez mais relevante o alinhamento da cultura corporativa e estratégia de negócio com objetivos de sustentabilidade. Procura-se que a sustentabilidade esteja cada vez mais embutida em todos os aspetos do negócio das empresas de seguros, através do desenvolvimento de uma estrutura de governo, políticas e processos que possibilitem a sua efetiva implementação.

Para esta transição, é importante que as empresas de seguros trabalhem no sentido de preparar dados e desenvolver métricas que permitam monitorizar o seu desempenho em termos de sustentabilidade. A ausência de dados credíveis e de metodologias de recolha de informação constituem ainda grandes desafios para a evolução do setor na mensuração do seu nível de compliance com objetivos de desenvolvimento sustentável.

Sobre esta componente, refira-se que terminou recentemente o prazo para apresentação de comentários à Consulta Pública lançada pela EIOPA em relação ao Artigo 8 da Taxonomy Regulation. Esta consulta aborda os rácios relevantes a serem reportados obrigatoriamente por empresas de seguros e resseguro no âmbito da Non-Financial Reporting Directive (Diretiva 2013/34/UE), bem como as metodologias de construção desses rácios.

No documento, a EIOPA avalia se os rácios obrigatórios a serem reportados por empresas não financeiras, tal como estabelecido no Artigo 8 da Taxonomy Regulation, são relevantes e adequados para retratar as atividades seguradora e resseguradora, ou se estes devem ser “traduzidos” para indicadores-chave mais adequados e comparáveis para o setor, direcionando um conjunto de questões sobre esta matéria ao setor. Antecipa-se que após a consulta pública, a EIOPA irá finalizar a sua opinião nesta matéria, submetendo-a à Comissão Europeia já em fevereiro de 2021.

Finalmente, no que respeita a produtos e serviços, é cada vez mais relevante que as empresas de seguros trabalhem de forma conjunta e responsável, com os seus clientes, investidores e com a sociedade para estimular e viabilizar práticas sustentáveis. O papel das empresas de seguros passa, também, pelo desenvolvimento de uma proposta de produtos e serviços financeiros que visem investimentos sustentáveis, denotando índole ESG.

Em particular no que respeita a práticas de investimento, as empresas de seguros, enquanto grandes investidores institucionais, devem orientar esforços para a canalização de investimentos ESG ou green assets, direcionando capital de maneira eficiente para investimentos que impulsionem soluções para os desafios de sustentabilidade. Neste contexto, é importante que cada empresa de seguros defina o seu apetite ao risco relativamente a investimento em classes de ativos com maior probabilidade de serem afetadas por riscos climáticos.

Refira-se, também, que o atual contexto de pandemia em que vivemos é suscetível de reforçar o nível de consciencialização da sociedade para o impacto de catástrofes naturais e para a consequente necessidade de investir na proteção do meio ambiente e recursos.

Neste enquadramento, é de redobrada importância que o setor segurador nacional continue a desenvolver internamente esforços para integrar preocupações de índole ESG na sua atividade e processo de tomada de decisão.

 

FONTE: ECO SAPO

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